To Linux or not to Linux?


Lá pelos idos de 1994-1995, um amigo nerd, daqueles de ilustração de verbete de dicionário, me contou que havia passado a noite fazendo o download (na BBS, não na internet) de um sistema operacional novo e open source chamado “Linux”. Naquele tempo, para computadores com tecnologia x86, eu só conhecia sistemas operacionais como o DOS, Windows, OS2 e Unix, com o qual esse tal de Linux parecia guardar alguma semelhança fonética. Batata! Meu amigo me dava conta de que aquele Linux era justamente um tipo de cópia do Unix que sairia grátis para usuário. Que bacana! Eu sempre quisera ver o Unix, esse mítico sistema operacional (SO), funcionando. Acho que eu pensava que o Unix, por ser um SO sério, usado pela NASA, Pentágono, MIT, etc, teria “poderes” supreendentes de processamento que transformariam aquele velho 386 (velho até para a época) numa estação gráfica Silicon Graphics.

— Roda aí, rapaz! — Disse animado.

— Calma, temos que compilar primeiro! — Respondeu, para minha decepção.

É isso mesmo, tinha que compilar, naquela época ainda não conhecíamos nenhuma distribuição pronta para o uso, o que fazíamos era baixar o código fonte e compilar, num loooongo processo, o sistema para o uso no nosso computador. Depois de compilado, tínhamos que preparar manualmente um HD para bootar o sistema. Ficamos lá, a manhã inteira até o final da tarde, errando e errando, até conseguirmos compilar tudo. Depois de horas e mais horas tentando de tudo, conseguimos ver o Linux em toda sua glória:

Linux Linux CLI

Decepcionante, não?

Eu era basicamente um Graphic Designer naquela época em que a computação gráfica ainda estava se acomodando no Brasil e ver uma outra marca de DOS ao invés do próximo Windows 95 ou OS2 foi um banho de água fria. O meu amigo ficou impassivo. Aparentemente ele, que era mais esperto que eu, esperava exatamente por algo daquele gênero. Eu, inconformado, comecei a fazer pouco daquele patético SO, dizendo que só podia ser brincadeira algo sem interface gráfica, sem programas e sem-eira-e-nem-beira como aquilo existir.

Passou o tempo e meu amigo continuou a seguir aquele sisteminha e um dia me chamou para ver um tal de XWindow, “um arremedo de Windows”, pensei. Mas devo dizer que comecei a pensar que via nascer ali um sistema operacional potencialmente também feito para mim.

Xwindows Arremedo de windows... not!

Muito depois, numa outra empresa, ouvi um funcionário do TI dizendo que sonhava com um sistema operacional que ele pudesse operar a partir do CD-Rom, simplificando assim algumas tarefas de manutenção que ele era obrigado a realizar. Eu achei aquilo curioso e achei que uma ideia assim tão boa devia já ter sido pensada por alguém. Procurei um pouco pela internet e topei com a Knoppix, a primeira Distro Live que já ouvi falar. Melhor ainda, achei uma distro brasileira baseada no Knoppix, a Kurumin, que me deixou duplamente fascinado. Baixei a Kurumin, gravei o CD-Rom, chamei todo o TI para ver o que o Designer havia descoberto (sério, ninguém ainda sabia que isso existia), e foi aí que voltei a lidar com o Linux pois vi que o sisteminha tinha crescido imensamente e adquiriu tantos novos aplicativos, acessórios e outros truques que agora sim, se tornara um sistema operacional para mim. Mas, como nem tudo são flores, eu, profissionalmente falando, era muito dependente de programas que só existiam em ambiente Windows (tinha pra Mac também, mas eu sempre me recusei a pagar o preço da Apple) e uma década se passou até que eu voltasse a considerar o Linux como algo mais que uma curiosidade.

Knoppix O primeiro live distro que conheci

Kurumin O live distro brasileiro

 

Depois de velho, resolvi voltar à faculdade e formalizar meus dotes informáticos através de uma graduação. Nessa graduação fiquei muito amigo de um professor que usava exclusivamente o Linux. O mais interessante é que esse professor era um profissional experimentando no ramo da animação e eu sempre evitara o Linux justamente por motivos ligados à computação gráfica, à partir dali eu fiquei sem desculpas.

Na época eu ainda atendia alguns trabalhos em Flash (no ocaso dessa plataforma) e começava atender trabalhos em Unity 3D, tudo feito para Windows, e apesar da curiosidade (e até algumas experiências), não conseguia largar a plataforma da Microsoft. Mas a vida é curiosa e, em meio a um período de vacas magras no mercado, eu sou levado à lidar com tecnologias mas generalistas como forma de me reposicionar num mercado em crise e, um pouco deprimido quanto à “falta de emoção” dessas novas águas, começo a usar novos programas para editar meus programas e “sentir que estou aprendendo algo novo” para espantar o tédio. Resolvi aprender a editar meus códigos no Vim, o lendário editor de textos, para me divertir depois perante meus amigos mostrando minhas abilidades naquele programa quase alienígena (principalmente para um usuário de Windows).

O que começou como um tipo de “tiração de sarro” virou um vício surpreendente. Em 3 dias eu estava completamente viciado no novo paradigma que aprendera com aquele editor. O desafio era fazer tudo sem encostar a mão no mouse, de forma mais rápida e eficiente que num editor comum. Quando dei por mim, estava editando o meu próprio arquivo de configuração e fazendo meu set matador de plugins e estudando a fundo os mais pirados patterns de RegEx. A vício era tal que me via tentando usar sem querer o método de interação do Vim em outros programas. De fato, descobri que havia plugins para os mais diversos programas que imitavam os principais comandos do Vim, assim instalei o “Vimium C” no internet browser (usava Opera, depois Vivaldi e hoje em dia, o bom e velho Firefox), instalei um plugin de atalhos Vim até no Visual Studio. Estava me divertindo às pampas, tudo ficava divertido naquele modo de produção, mas ainda estava usando o Windows. Tinha clientes a atender, backups a fazer, projetos a fechar. Tudo ainda era muito dependente do Windows.

Numa noite chuvosa, depois de todo trabalho entregue, todo cliente satisfeito, todo backup realizado, veio o destino e deu o empurrãozinho que faltava, uma oscilação de energia elétrica acabou causando uma corrupção qualquer no boot do meu Windows. Querendo recuperar alguns vídeos, áudios e textos pessoais que estavam no HD, resolvi rodar um Live Linux qualquer para copiar aquilo para outro lugar de modo que pudesse reinstalar o SO. Usei o Puppy Linux, sisteminha leve e descomplicado, à partir de um pendrive, e copiei meus arquivos e reparticionei o HD. Fiquei pensando… “Que se dane”, baixei o Ubuntu e instalei como meu sistema. Dane-se o Windows!

Puppy Linux Bionic Pequeno e útil

Ubuntu O mais famoso de todos

Ok, meses depois tive uma encomenda de modificação de um velho trabalho e tive que reinstalar o Windows para retrabalhar aquele projeto. Por pura comodidade fui permanecendo no Windows, mas sempre com uma saudade louca do Linux. O Linux pode parecer complicado, mas vou lhe dizer uma coisa, o Windows não te dá a sensação de poder e posse do SO como o Linux te dá. Fui instalando Linux em todo computador de casa que estragava ou ficava velho. O computador da minha mulher, que estava lerdo e esquentando muito, ganhou um Linux Peppermint, o da minha sogra também, os computadores dos meus filhos, que eram computadores antigos e com pouca memória, ganharam um Lubuntu, o computador da sala de TV (um notebook i3 com a tela quebrada que meu sogro jogou fora e que eu liguei à TV) ganhou um Zorin lite. Era Linux por todos os lados…

Peppermint Linux Leve e estável

Lubuntu Levíssimo e é Ubuntu

Mas eu não instalava pra mim. Ficava preocupado com os que os trabalhos futuros poderiam me exigir. Foi quando tive uma ideia: Resolvi dar uma volta pelo meu histórico de trabalhos e ver se realmente havia algum trabalho que não poderia realizar no Linux. Levantei alguns pontos como:

  • O Flash já havia se tornado irrelevante;
  • A Unity 3D tinha uma versão para o Linux;
  • O Blender funcionava até melhor no Linux;
  • Dava pra instalar o Photoshop (pelo menos a versão que eu mais usava) no Linux mas eu havia me acostumado a usar o Gimp nos últimos anos e por isso resolvi abandonar a ferramenta da Adobe;
  • Vídeos eu poderia editar com o KDEnlive, o DaVinci Resolve ou até o Pitivi. Dava até para fazer belíssimas coisas no Natron, ao invés do Nuke;
  • O LibreOffice já era meu Office de preferência havia anos;
  • A maior desvantagem era que não dava para usar o Visual Studio (dava pra usaro VSCode, mas o Visual Studio, não). Tinha que usar outros aplicativos como o CodeBlocks pra C e C++, o MonoDevelop para .net/mono ou um dos zilhões de IDEs existentes para Linux, mas adimito que o Visual Studio é sem igual.

Fora o Visual Studio, que não é profundamente essencial para meus trabalhos, todo o resto eu podia fazer sem grandes problemas no Linux. Quem eu queria enganar? Instalei um belíssimo Zorin no meu notebook e fui feliz por alguns meses…

Zorin OS Esse Zorin OS é lindo

Mas eu queria mais! Eu queria poder usar o teclado o máximo que pudesse no sistema inteiro. Queria sentir no sistema operacional todo a sensação de expertize que sentia no Vim em toda relação com o SO. Foi aí que conheci o i3wm, um sistema de gerenciamento de janelas para o Linux que, ao invés de janelas flutuantes, organizava as janelas em “tiles” (ladrilhos?). Que experiência! Com a mão colada no teclado, com movimentos mínimos eu fazia tudo acontecer, me sentia o próprio hacker da Matrix (pode rir)! Estou agora dando algumas voltas nesse tipo de interação e não sei como serão os próximos meses, de repente eu mude para um tipo totalmente diferente de interface, sei lá. O lance é que o Linux é divertido demais, poderoso pra caramba e muito, muito, seu.

Manjaro i3 Manjaro i3, o melhor dos mundos?

Recomendo a qualquer um: Deixe de se preocupar e mude para o Linux. Você vai aprender muitos truques novos, você vai se tornar muito mais “computeiro” de verdade e, mais importante, vai se divertir bastante.

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